Há algumas semanas terminei a primeira versão do meu livro novo, por ora batizado de Uma longa forma de solidão. Depois de acender uma vela e tomar umas duas taças de vinho para comemorar, enviei o arquivo para a
, CEO do Conchas e minha leitora beta desde os primórdios do nosso tempo estudantil, tomando café ruim na UnB. Muitas coisas mudaram desde então. A Mari foi para São Paulo, depois voltou para Brasília (para minha sorte), e arrumou um cantinho gostoso para morar com a sua gata Celeste. Eu casei com um pisciano de exatas, tive uma bebê e fui morar no mato. Muitas coisas mudaram, o que não mudaram são as opiniões sempre ferozes e aguçadas. A Mariana é minha leitora beta porque não pega leve. Ela imprime o livro, risca o livro e manda a real se eu pisei na bola. Até dói um pouquinho, mas foi assim que consegui chegar nas melhores versões dos meus últimos dois livros.Todo mundo é triste e solitário, reclamou a Mari, em relação ao novo romance. Aqui você fala mais do que mostra, protestou em outro trecho. Suas personagens nunca são uma coisa só, mas esse cara é só babaca e ruim – ressaltou sobre um dos protagonistas. Ainda não tive tempo de mexer em tudo, mas a partir das observações dela, que foram muitas, já tenho uma grande ideia de como melhorar a situação.
Nessas horas, admito, bate um desânimo. Uma vontade de arquivar o projeto e pular para o próximo. E se eu escrevesse aquela outra ideia que é muito mais a cara do meu último livro, o diabinho assunta. E se eu não arriscasse tanto fazendo uma coisa tão diferente, o diabinho cospe. São pensamentos comuns e passageiros, porque a real é que os projetos que não foram escritos parecem sempre mais atraentes, já que estão dentro da cabeça e não apresentam problemas. Só um trabalho pronto é passível de críticas. Só um trabalho pronto exige remendos. Não dá para trabalhar com o que não existe, eu bato muito nessa tecla.
Então, cá estou, no processo de refazer algumas partes desse livro triste e solitário, evitando ser tanto assim triste e solitária. Eu não sou triste. Outro dia participei de um debate sobre meu último romance com uma psicanalista que ressaltou justamente o aspecto polêmico e solitário das minhas personagens, e logo perguntei se eu deveria me preocupar. De forma alguma, ela garantiu. Vou ter que confiar na palavra dela.
Para quem não está familiarizado com o espaço literário brasileiro, vou dizer uma grande verdade: se você faz um determinado sucesso, tem um cargo importante o bastante ou amigos influentes, o seu saco será infinitamente puxado. Há quem se lambuze e se vanglorie dessa babação de ovo infinita, que eu particularmente detesto. Acho que o melhor atalho para alcançar a mediocridade é ouvir apenas as palavras de mel. Elogios devem ser abraçados, é claro. Mas as leituras críticas e atentas nunca devem perder o seu espaço privilegiado. São elas que nos ajudam a crescer.
A figura do leitor beta é fundamental. Se você é uma pessoa escritora, precisa escolher o seu com muita sabedoria, quase como se estivesse escolhendo um marido ou uma esposa. É urgente que seja uma pessoa crítica, mas alguém que critique sabendo o mecanismo por trás do desgosto. Não pode ser alguém que se dobre com facilidade aos argumentos: você quer ser desafiado. Também não indico a categoria cônjuges/mães, pelo caráter enviesado que o amor provoca. Caso você não tenha essa pessoa e tem uns cascalhos sobrando, pague uma leitura crítica com urgência (eu faço esse serviço, mas estou sem vagas no momento).
Não se preocupe, sobretudo, se receber um diagnóstico ruim. Tudo que foi escrito pode ser revisto e melhorado. O resultado quase sempre sai muito superior. E é disso que precisamos na literatura brasileira. Mais qualidade, mais esforço em melhorar, em produzir o melhor possível. Talento é um conceito superestimado, o que realmente vale a pena é o esforço. Conheço muitas ruínas talentosas, como observou o Baldwin. Se você não trabalhar naquilo que não está bom, nunca vai melhorar.
Isso é um convite para o que é realmente escrever.
Curso online
Passando para lembrar que no outro sábado, dia 20, darei um curso online bem completo sobre como escrever e publicar um romance literário. Falarei, entre outras coisas, sobre boas táticas para desenvolver sua ideia, melhorar o texto e não cair em armadilhas, além de pincelar algumas verdades (trágicas, porém importantes) sobre o processo de publicação. Custa só 80 pila e vai ficar gravado. Logo, se você não puder assistir no dia, terá como recuperar a gravação depois. Inscrições bem aqui.
Minha leitora beta é minha esposa e eu gostaria de dizer que o olhar dela é enviesado pelo amor, mas não é. Ela pega pesado, me aperta e por causa dela sinto que meus textos são sempre melhores. Inclusive já ouvi de uma leitura crítica observações muito similares as que ela faz. Eu gosto de saber que minha companheira da vida é também minha leitora mais exigente. ♥️
Ótimo texto (ótima newsletter aliás, e não é só mel...). Trabalho profissionalmente com leitura crítica e muitos colegas (pasme!) já me perguntaram: mas você ousa criticar mesmo a pessoa pagando? Ora, cara pálida: não é exatamente essa a função da leitura crítica? Elogio você recebe de graça. Crítica construtiva é que é dose (e sempre vem com chorinho).