Sei que esse é o maior clichê de uma mãe que escreve, mas estou escrevendo um livro para a Isabel. Na verdade, é apenas um caderninho fofo que comprei na Liberdade em 2019 e comecei a preencher ali no mesmo ano, porque já sabia que queria engravidar. Na época, enfrentava a possibilidade de que essa gravidez não viesse, por conta de um quadro grave de endometriose. Quem me conhece sabe que Isabel veio após um longo tratamento. Enfim, comecei rabiscando frases de efeito para um bebê imaginário, e depois que engravidei passei a me dirigir diretamente à dita cidadã. Acabou que esse caderno virou também um mapa das estações que superei e confesso que tenho cada vez mais preguiça de voltar a ele. Talvez porque a ideia tenha se solidificado na matéria – e porque cuidar de um bebê dá mais trabalho do que a minha visão romanceada fazia crer. Ou talvez porque estou me acostumando a ser mãe, de um jeito que ela já sabe e eu não preciso mais escrever.
É engraçado reler, nesse caderno, as minhas angústias do passado. Eu ainda me lembro de tudo que sentia, mas agora que meus desafios são outros e eu sinto tanto cansaço que não dá muito bem para sentir o resto. Quando leio fico até impaciente comigo mesma, com a minha incapacidade de confiar no que viria. Eu sabia que viria, por que eu não confiei? Por que é tão difícil ter fé de que as coisas vão acontecer ou melhorar, mesmo quando a gente entende o que é ter fé? No fim das contas, a maior insensatez da vida é desejar tudo que ainda está fora do alcance e culpar os sentimentos ruins pela demora em alcançar. Breaking news: a dor existe. O luto existe. A ansiedade, a depressão e o medo existem. A grande vantagem de escrever é poder registrar o atormento, e depois que passa a gente lê e ri.
Claro que esse caderno é também uma das coisas mais preciosas que mantenho aqui em casa. Sei que Isabel vai apreciar o gesto, por mais que eu não consiga prever sua personalidade. Vou guardar para entregar, é claro, quando ela tiver a maturidade para entender (ou seja, não será na adolescência). Por essa menina eu faço muitas coisas impossíveis. Nunca mantive nenhum diário, também não gosto de escrever à mão. É até um pouco embaraçoso confrontar essas versões antigas. Mas não deixa de ser um lembrete de que, em qualquer situação, o processo é a entidade máxima a ser respeitada. Respeitar o tempo de cada coisa, como diz o texto daquele livrinho famoso.
A maternidade, sendo a cápsula de tempo que é, ensina muito a respeito dessa outra matéria que governa o universo. Vai passar provavelmente foi a frase que eu mais ouvi de outras mães, aquela que por vezes me trouxe alívio e por vezes me deixou ainda mais impaciente. Quem veio primeiro sabe das coisas, de fato passou. Muitas coisas passaram: o apocalíptico primeiro trimestre, as crises de cólica (que no caso da Isabel foram ainda piores por conta da APLV). As dificuldades todas do comecinho passaram. O que não significa que tenha ficado mais fácil, é claro. Aliás, começo a achar que em matéria de criar pessoas, viver e escrever livro não existe fácil, a gente é que se acostuma com a dificuldade. Esse é o princípio maior de um processo, te fazer acostumar com o desconforto até que ele pareça desaparecer.
Coisas que não passaram: a fase difícil do sono. Ela ainda não sabe dormir e acorda aos berros, desesperada e largada no bercinho, como se fosse nossa culpa que a consciência interrompa o descanso. Quando comemorei a erupção definitiva dos dois dentinhos da gengiva de baixo, nascem quatro na de cima. Quatro de uma vez. Eu sou uma mulher em frangalhos e às vezes me pergunto onde fui amarrar meu bode. Nem me recuperei ainda e me perguntam se vou ter outro filho. Pago com alguma impaciência os 130 reais mensais que devo à clínica para manter meus outros embriões congelados. Eu quero ser mãe de novo? Vou confiar na turma do Vai Passar e deixar para decidir depois.
A questão é que, por mais complexo que seja, a maternidade também é a experiência de vida mais incrível que eu já experimentei (e olha que entendo muito quem não escolheu por isso). A minha filha é linda. Ela é tudo que eu tenho, mesmo que não seja tudo que eu sou. E me sinto grata por ela ter chegado, por ter me feito superar tudo aquilo que superei, porque me faz olhar de outro jeito para as angústias que ando sentindo agora. Essas angústias são tão pequenininhas quando colocadas na perspectiva do tempo dela. Semana passada eu me afligia: ela ainda não sabia engatinhar. Hoje já engatinha. Cresceu três centímetros em um mês e amanhã estará falando. E eu aqui, preocupada em escrever umas cartinhas. Tudo que essa menina precisa saber ela já sabe de fábrica. A nossa natureza humana é aprender com e apesar do tempo.
Curso online
Parte do meu processo atual é tentar confiar no outro caminho que escolhi (a literatura). Pareço confiante às vezes, mas é muito difícil sustentar essa decisão de ser escritora. Tenho dias bons, dias em que penso que vai dar tudo certo, ainda vou ter muitos leitores, ganhar prêmios, etc. E tem dias em que sinto que estou caminhando em círculos em torno de uma ilusão. Que preciso tomar jeito e largar essa vida bandida e arriscada. Nessas horas, a vontade de fazer um concurso/pegar uma CLT é grande. Imagina, ter férias, décimo terceiro, estabilidade? Por enquanto, no entanto, o arranjo vai bem. A escrita e meus freelas me permitem trabalhar em casa e ver a minha filha crescer, que é a coisa mais valiosa que eu tenho hoje.
Tenho feito muitos freelas literários, que são minha categoria preferida de trabalho. Estou com o bichinho do empreendedorismo roendo minha barriga. Um pouco insegura, resolvi ir além: vou oferecer, agora em julho, meu primeiro curso por conta própria! Será um encontro de quatro horas no qual falarei com detalhes minha visão sobre planejar, escrever e publicar um romance contemporâneo. É um curso que venho trabalhando desde o começo do ano, mas é também fruto de um conhecimento de quase duas décadas.
Enfim, o curso será em 20 de julho, das 14h às 18h, e custa só 80 contos de réis com todas as taxas. Aos que se interessarem pela aula de Como escrever e publicar um romance contemporâneo, as inscrições podem ser feitas aqui.
Lembrando que você também pode ser apoiador de luxo dessa newsletter por apenas 9,99 mensais clicando aqui (esses dias perdi cinco assinantes pagos, fiquei numa tristeza de estimação sem fim).
E você também pode comprar meus livros, veja só.
Mas chega de passar o chapéu.
Até a próxima news, seja lá quando for.
Pode até ser clichê, mas que é um prazer escrever diários, cartas e tudo o mais para os filhos, ah, isso é! Sem dúvidas, Isabel saberá o valor dos seus escritos e honrará ainda mais sua história.
Aprendo muito através da sua news, Fabi e te desejo muito muito sucesso sempre!
Divulguei e indiquei seu curso, espero que seja um sucesso. E que preciosas anotações pra bebe, lembrei do época da rádio novelo da semana passada, da moça que encontra um caderno de anotações da mãe. Beijo