Toda vez que chega essa época eu me sinto meio melancólica, pensando nos mortos que carregamos nas costas, eu e minha família. Também penso na palavra “finado”, e me pergunto por que não a utilizamos com mais frequência. É uma palavra tão bonita, esse particípio do verbo “finar”, daquilo que foi e chegou ao fim. Muito melhor que falecido.
Ontem lançamos a coletânea de contos de terror O dia escuro, que tem um conto meu. São 20 autoras contemporâneas oferecendo várias interpretações do nosso bom e velho horror cotidiano. Rolou lançamentos simultâneos em várias cidades do país, e aqui em Brasília eu e a querida
defendemos o forte, em um bate-papo gostoso com a Julliany Mucury, na nossa acolhedora Livraria Circulares. Uma galera compareceu, foi muito legal.Quando fui convidada para participar da antologia, pensei no tipo de horror que gostaria de escrever. Meu conto, A troca, é sobre uma menina que acredita que sua mãe foi trocada por outra. Fiquei muito satisfeita com ele, é um dos melhores contos que já escrevi.
Antes de mandar A troca, contudo, cheguei a enviar outro texto, chamado Morro da baleia. É uma história da qual também gostei, mas por algum motivo achei que não cabia muito bem no projeto, um conto mais melancólico do que de horror, quem sabe. De qualquer forma, fiquei com vontade de compartilhar aqui com vocês. É um conto que não foi editado, está bem cru ainda (ou seja: não está perfeito e pode ter uns errinhos no caminho). Mas eu também gosto dele, e fiquei com vontade de compartilhar com as pessoas que carinhosamente contribuem financeiramente para o projeto desta newsletter. Feliz Halloween!
Morro da baleia
Começou quando ainda era menina. Por anos conviveu com pessoas mortas que vagavam por sua casa, às vezes sem a cabeça. Contou para a mãe, que a mandou calar a boca e rezar. Rezar não adiantava, porque os espíritos continuavam desfilando. Não entendia por que alguns vultos vinham degolados. Ou talvez ela não conseguisse enxergá-los por inteiro. Eles eram caridosos com seus medos, pelo menos, e nunca diziam nada. Passavam silenciosos, agarrando a borda do braço ou a lombar, davam a impressão de ter atravessado um desmoronamento, vai ver o outro lado era uma queda.
Pouco tempo depois, vieram as convulsões. Como os espíritos, os acessos do corpo chegavam de forma inesperada e sem explicação. Caía no meio da sala de aula com a boca espumando, enrolando a língua, e os colegas evitavam se aproximar dela como se estivesse possuída por um monstro contagioso. Nenhum médico de Alto Paraíso conseguiu fechar um diagnóstico, então a mãe resolveu convocar uma benzedeira. Para sorte de Leila, a benzedeira também era bruxa. Foi batendo o olho na menina e entendendo tudo que havia para entender.
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