
Na quarta-feira desta semana achei que não escreveria aqui, agora me veio o alívio de conseguir soltar o ar. Foi uma semana péssima, tive uma gastroenterite, minha filha me apareceu com um rato morto, não recebi umas boas notícias que andava esperando, as minhas crises de ansiedade pioraram. Ando pensando em muitas coisas e sinto vontade de compartilhar, mas desisto. Muitas vezes desisto porque me sinto cansada e repetitiva. Porque a vida de uma mãe recente não tem muitas novidades e é terrivelmente solitária.
A minha cunhada ainda se lembra: quando a filha dela tinha dois anos, e eu ainda nem estava pronta para embarcar nessa, fiquei ao seu lado durante uma crise de febre da criança. A festa rolando lá fora, tive pena de vê-la ali sozinha embalando a menininha. Ser mãe é muito solitário, eu disse. Você entendeu tudo naquele dia, ela volta e meia me diz, agora.
Eu entendi, mas queria não entender tanto.
A verdade é que estou vivendo dentro de um paradoxo. Me sinto exausta, psicologicamente e fisicamente falando. Nunca estive tão para baixo, tão acabada. Sinto falta de inúmeras coisas que não estão mais ao meu alcance. Não é muito confortável. Os últimos dois anos foram anos do D. De dor, desconforto e doação.
Ao mesmo tempo, nunca estive tão cheia de graça. Nossa senhora sentiria inveja. Nunca senti tanto amor. Nunca admirei tanto meu marido. Olhar um homem que você conheceu aos vinte e poucos anos, de repente um pai. O melhor pai. O amor que sentimos pelas duas meninas é uma onda de choque térmico. Dá para sentir até no jeito como a gente fala. Um tipo de amor que até assombra.
Eu fico me perguntando porque há sempre um contrapeso nas experiências de criar outro ser humano. Há sempre uma letra miúda que você não sabia ao assinar o contrato, um porém enorme, e fico pensando se ele vai deixar de existir um dia. Acho que não. Nunca fica mais leve quando você está aprendendo tudo em tempo real. Ainda assim, agradeço pela transformação. Por entender de outro ângulo o valor das necessidades mais básicas. Por saber, finalmente, o que é um instinto de mãe, e como ele é mais forte do que qualquer outro sintoma humano, incluindo uma gastroenterite.
(um corpo desidratado ainda produz leite em abundância, e a mulher com dor nunca vai deixar de embalar sua criança)
Nos últimos dias reli o conto do Ted Chiang, História da sua vida, que deu origem ao filme A Chegada. O filme é maravilhoso, um dos meus favoritos da vida, mas o conto é ainda melhor, mais profundo, e nessa releitura me pegou muito o ponto de vista da narradora (uma mãe) e sua relação com o tempo, a relação nova que ela aprende a ter com o tempo. Porque, mesmo sabendo do fim, ela escolhe passar por tudo de forma a chegar lá. Porque o fim não existe quando você tem um filho, mesmo que o filho morra. Um filho é a versão possível do infinito: sempre mudando, sempre se transformando em outra coisa, e vivendo em você do mesmo jeito, com tudo que é, foi e será.
O paradoxo, de novo. No escuro, acalmando minha bebê em mais um acesso de gases, eu penso: que ela cresça, que isso passe logo. Quando ela dorme, agarrando meu dedo com suas mãozinhas minúsculas, penso: que isso não passe nunca.
Eu, por outro lado, sinto pressa em me alcançar. Porque acho que ainda não me tornei tudo que cabia aqui, tenho ganas de crescer. Minha mente comporta um monte de gavetas que ainda não foram abertas, gavetas cheias de pensamentos e possibilidades de escrita, sei que as minhas ideias são boas e que preciso escrever as histórias que aparecem ainda sem corpo, como se alguém tivesse sussurrado um sonho comprido e confuso no meu ouvido e me mandado encontrar o sentido no meio do labirinto narrativo. Eu sinto urgência de viver e relatar, ao mesmo tempo estou exausta, queria chegar a um lugar estável e tranquilo, onde a urgência de ser não existe, apenas o contentamento, o usufruto da permanência enquanto é possível permanecer.
Em qual momento da vida a gente para de se preocupar com o que vamos nos tornar? Será que existe um momento de repouso, em que recolhemos os ossos da ambição, e ficamos apenas ali parados sem perseguir nada e nem crescer para lugar algum, na paz da aceitação e da imobilidade, porque foi isso que deu para fazer em matéria de existir?
Não sei. Isso eu ainda não entendi. Mas vou entender.
Convite
Nesse fim de semana ocorrerá o maior e melhor evento de newsletters do país: O Texto e o Tempo. Vou participar de uma mesa sobre literatura amanhã, às 11h30, com a ilustre Ana Lima Cecílio (muito boa de Lábia) e o querido Rodrigo Casarin, autor da Página Cinco. Espero que vocês possam estar lá, as inscrições estão disponíveis aqui. João ficará com as crianças enquanto eu participo, então talvez vocês escutem a casa sendo derrubada ao fundo da minha transmissão.
Para quem é de Brasília, também farei minha única aparição pública do ano amanhã, às 16h, no clube do livro da Platô Livraria, na Asa Sul. Dá um pulo, se puder, é só chegar.
Era para ser um post da newsletter, mas virou um vídeo. Fiz um resumo rápido sobre os melhores livros que li no primeiro semestre. Está no Instagram e no Tiktok. Aproveita e me segue por lá?
Suas palavras são sempre um abraço. 💛 Vivendo o paradoxo aqui também, entre quere voltar a dormir logo mas também querer que o tempo pare a todo instante nessa fase de bebê descobrindo o mundo e criança observando-o com suas lentes da infância.
A gente abre mão de tanto e, enquanto isso as ideias vão pipocando, mas sobra nadica de tempo para executá-las. Mas me pergunto se as novas ideias viriam sem a gente passar por isso tudo. Ter filho é revolucionário. Causa um rebuliço na gente, não tem como voltar a ser a mesma pessoa (e nem quero). Um abraço em você!
“Eu entendi, mas queria não entender tanto.” Diria isso do texto de hoje. Um abraço, Fabi