Os últimos dias não têm sido fáceis para mim. Outro dia vi um vídeo que dizia o seguinte: existe cansaço, existe o cansaço de uma mãe e existe o cansaço de uma mãe grávida de outro bebê. Tenho me arrastado pelos cantos, tentando dar conta de todas as demandas profissionais e domésticas, ao mesmo tempo em que cuido da Isabel e construo esse pequeno ser humano que já mostra uma incrível tendência a se expandir nos espaços, esmurrando suas pequenas paredes de carne, sem entender que ainda falta muito (muitíssimo) para sair dali. Também estou triste, ainda não consegui entender o motivo, deve ser alguma coisa no tempo. Respirar fumaça não é lá muito agradável, acho que o meu corpo inteiro ficou cinzento. Eu não ficava deprimida assim há algum tempo, mas reconheço a sensação.
A questão é que, quando estou mais para baixo do que para cima, não me ocorre escrever. Sim, houve uma época em que eu espremia minhas angústias com muita fúria, esperando para ver o que saía dali. Agora, não. Preciso de energia, preciso de serenidade, só assim chego no meu melhor. Essa pausa também é natural e muito necessária, afinal de contas acabei de entregar um romance novinho em folha, que está nas mãos dos meus editores. Quando você termina de escrever algo longo, é saudável parar para respirar, deixar o corpo se recuperar, ainda que exista outro projeto na mira (e eu já tenho um). Além do mais, escrever nem sempre é o primeiro socorro que chega. É todo o lance das máscaras de oxigênio, dessa vez em roupagem criativa — cuide primeiro da pessoa, depois da escritora.
Em horas assim, a solução é o lado oposto do balcão, o lado originário, em que todos os escritores nascem e para onde se voltam em momentos de limbo: a leitura. Para minha alegria, nessa semana foi lançado o Intermezzo, novo romance da Sally Rooney, autora que aprecio muito. No momento fui fisgada, no entanto, por outro livro, Creation Lake, da escritora americana Rachel Kushner. Eu não conhecia o trabalho dessa mulher, e agora estou me perguntando por onde andava que não a encontrei antes. Fiquei interessada em ler o Creation Lake ao ver que o romance foi finalista do Booker Prize, e no momento estou tão apaixonada que não quero que a leitura acabe. São as minhas pílulas diárias de respiro e gentileza.
No livro, uma espiã sarcástica e cínica, Sadie, é enviada para monitorar um grupo de ecoterroristas em uma região rural da França. Seu papel é provar que o líder do grupo arquitetou uma operação de sabotagem. Durante a missão, no entanto, Sadie acaba se envolvendo com as ideias de um dos mentores do grupo, um senhor muito inteligente chamado Bruno Lacombe, que alimenta uma paixão ardorosa por assuntos como evolução humana e o destino dos Neandertais. São os e-mails de Bruno, aliás, que fazem o romance brilhar. As teorias são maravilhosas, muito bem escritas, e fazem a gente refletir, muito além da personagem em si. Rachel Kushner me fez até adiar a leitura da Rooney, vejam vocês.
Creation Lake é um desses livros estranhos e inteligentes que eu nem sei por que gosto, mas gosto. Fiquei feliz pela descoberta, e muito agradecida ao Booker Prize por isso. Os prêmios são muito bacanas porque permitem que a gente descubra novos trabalhos, e pode ser que um deles se torne o livro de nossas vidas.
Por falar em prêmio, ontem saíram os finalistas do São Paulo de Literatura. Meu livro, Como se fosse um monstro, estava concorrendo, mas não chegou à lista (fiquei feliz ao ver os livros da Socorro e do Marcelo Ferroni, contudo, que são ótimos trabalhos). É claro que ficar de fora não contribuiu muito para melhorar meu estado deprimido. Permaneço aqui, no entanto, escrevendo newsletter e lendo e refletindo sobre escrita, sonhando que um dia estarei no lugar da Kushner. Não será dessa vez, contudo, que alguém vai me descobrir por meio de uma lista.
Se escrever já é uma coisa dificílima, desejar e perseguir uma carreira literária é incrivelmente extenuante. Há muitas variáveis envolvidas nisso de trabalhar em um livro, lutar por sua publicação e tentar fazer com que chegue aos leitores. É uma maratona cheia de altos e baixos, às vezes fica muito difícil subir à superfície para poder respirar. Nunca escondi os desafios, sempre falei com muita franqueza, que ser escritora por muito tempo me pareceu uma maldição. Ainda meio que parece.
A coisa funciona assim: nem sempre vai dar bom. Nem sempre você vai encontrar uma história incrível, ou ser aplaudido por aquilo que escreveu. Mas haverá, sim, alguns momentos de luz. Ainda me lembro do quanto meu coração bateu forte ao receber o e-mail da Alfaguara que dizia no assunto proposta de publicação. E como fiquei com lágrimas nos olhos ao receber a caixa com o meu primeiro livro, quentinho da gráfica. Antes disso, comemorei muitas outras micro vitórias, como a primeira vez em que um conto meu foi publicado em uma antologia. E aquela vez em que um conto meu saiu em uma revista de grande circulação, e uma grande atriz da Globo não só leu como quis interpretar a personagem em um curta (que infelizmente não foi adiante). Sem falar em todos os clubes de leitura que participei, e as incontáveis mensagens de leitores queridos. Como diz o querido Eric Novello, na literatura o sucesso vem de muitas formas.
Ao ver a lista do prêmio São Paulo, depois de sentir o golpe de uma ausência que já era esperada, recorri ao meu instrumento favorito de consolo: o tarô. Para quem não sabe, nas horas vagas estudo essa ferramenta peculiar. Fiz uma pergunta relacionada aos rumos da minha literatura, e recebi a tiragem abaixo. Não é preciso conhecer o baralho e os significados das cartas para entender o que dizem. Eu preciso olhar para frente e ter esperança, foi a minha interpretação. Acima de tudo, preciso persistir.
Por enquanto, vou ficar aqui lendo meu livro, tá? Passa outro dia.
ontem devorei The Safekeep (também finalista do Booker Prize) e depois de ler seu texto aqui fiquei tentada a pegar o livro da Rachel Kushner na sequência
Oi Fabiana, amei o assunto abordado nesse post. Lembro-me de quando você lançou o “Apague a luz se for chorar” - li porque vc era uma mulher do Centro-Oeste como eu e fiquei porque gostei muito do livro. Concordo com vc sobre o caminho para e da leitura. Vejo que agora você este bem acompanhada e tenho certeza de que conseguirá seguir. Já fui uma mãe de filho pequeno e grávida, sentia que tudo era muito difícil. E é mesmo.
Sou pesquisadora (amo manuscritos e processo de criação) e esse movimento que cita nesse post, fez parte da trajetória de todos os autores que estudei. Sigo te acompanhando. E sim - vamos aos prêmios.