Houve um tempo em que eu fazia qualquer coisa para divulgar a minha arte. Implorava aos amigos e conhecidos jornalistas que me dessem uma vaga em seus disputadíssimos portais, me prostituía para o algoritmo das redes, invadia a caixa de mensagens das pessoas oferecendo meu livro (sim, já passei essa vergonha). Participei de vários eventos em que a plateia era composta por uns três gatos pingados, e geralmente os gatos pingados eram meus amigos ou minha família. Sempre fui aquela garota que batia no peito para dizer que era escritora e que não se importava que tivessem pena dela por isso. Fiz muitos trabalhos de graça, mais do que posso contar, em nome de uma esperança em aparecer. Nos últimos dois anos, essa ânsia desapareceu. Acho que percebi que nada daquilo estava surtindo os efeitos que eu queria ou esperava. Agora, tenho outro motivo para me calar: estou exausta.
Nas últimas semanas, tenho recusado alguns convites de entrevistas e eventos. Simplesmente não estou dando conta, sei que é hora de me recolher, embora uma parte de mim que sobrou desse passado me cobre por não aproveitar as oportunidades. Eu me sinto por vezes arrogante. Não era isso que você queria? A voz diz. Você não queria divulgar os seus livros? Uma parte de mim julga que estou esnobe e de nariz empinado, olha você e a sua audácia, escolhendo os lugares para onde vai. Outra parte, mais compreensiva, me abraça e entende que às vezes só tenho energia para tomar banho e chorar. E não é apenas o fato de ser uma mãe recente e cansada. É que também me dei conta que meu trabalho literário ainda possui uma espécie de invisibilidade – no mercado literário, leva tempo para deixar de ser invisível.
Não estou aqui chorando pitangas. Meus livros hoje em dia vendem melhor do que eu esperava. Acabei de receber o último relatório, inclusive, e descobri que consegui pagar o adiantamento do Como se fosse um monstro, o que é um alívio enorme. A badalada reimpressão, é óbvio, ainda vai longe. Sou grata por todo o apoio que recebi da editora e de amigos. Agora, o livro faz o caminho dele. Eu não tenho pressa.
Desde meu primeiro romance, um comentário que recebo muito é: nossa, que surpresa. Acompanhado das sutis entrelinhas não esperava que fosse tão bom. Já tentei investigar o motivo de tanta desconfiança, mas acho que devo ter cara de quem escreve mal. Sei também que a maioria das pessoas apenas se surpreende porque não me conhece. Não parei e nem vou parar de escrever por isso. O oposto, na verdade. Continuo escrevendo, só cansei mesmo de tentar me vender. Estou como aquele vendedor de amendoim raivoso que atira pacotes no colo dos passageiros de um ônibus sem a delicadeza de oferecer uma história. Quer me ler, leia. Não vou fazer malabarismos.
Já estive muito atrás e sei que falo de um lugar de muita vantagem. É um privilégio, de verdade, que algumas pessoas me enxerguem e me façam convites. Como eu disse, tenho esse problema de ser invisível. Durante o trote da faculdade de jornalismo da UnB, por exemplo, cada calouro recebia um apelido agressivo com o objetivo de ser supostamente engraçado. O meu foi 00/0000 (o número da matrícula zerado). Ninguém sabia quem eu era. Mais tarde, em um dos meus primeiros estágios no Correio Braziliense, minha então chefe veio resmungar – depois de alguns meses de um trabalho muito bom – que eu tinha me saído melhor do que a encomenda. Ela não esperava nada quando me contratou, é o que queria dizer.
Como falei, tenho cara de quem escreve mal. Mas é só a cara, eu juro.
Recusar convites para entrevistas e eventos é algo que me mata, paradoxalmente, apesar do meu cansaço justificável. Estou sempre dividida entre a necessidade de fazer meus corres e uma vontade absoluta de deixar tudo para lá. Como todos os escritores que vieram do absoluto nada, sofro o desalento de viver à caça dos leitores. Não é fácil dizer não, quando tudo que esperam é que você diga sim.
Acho que já adquiri um pouco mais de maturidade para entender que cada coisa acontece a seu tempo, mas sei que minha paralisia causa uma espécie de renúncia. Renunciei a muitas coisas ao escolher permanecer em Brasília, ao decidir ser mãe, ao evitar a todo custo a baia dos puxa-sacos. Minha suposta “carreira literária” sofreu lá os seus abalos, mas estou bem satisfeita com o que tenho alcançado no meu ritmo. Meu objetivo não é ser famosa ou coisa que o valha. Na verdade, só tenho um grande objetivo: escrever até deixar de ser uma surpresa.
Enquanto isso, peço desculpas aos que entram em contato e não recebem respostas. Peço desculpas a quem me chamou e eu não fui. Tem sido difícil, estou fazendo o que posso.
Fabiane, acho que te conheci pela newsletter mesmo, como sugestão de outras. Adoro como você escreve aqui. E quero em breve ler um livro seu. Moro em Joinville (SC) e, aqui, que tem um total de duas livrarias e dois sebos, tem livro seu, viu?! Um beijo.
as pessoas vão continuar divulgando para você 😊
e que caminhada! vai longe quem caminha🩷