Hoje é o Dia do Escritor, um marco clássico no calendário de datas comemorativas que ninguém comemora. Quis o destino que eu nascesse exatamente dois dias depois, em 27 de julho, o que não quer dizer nada, mas uma certa cafonice poética permite brincar que sempre foi essa a minha sina. Na quinta, portanto, completo 32 anos. Sou feliz com a vida que levo, porque me tornei a pessoa que sempre quis ser. Estou prestes a ser mãe pela primeira vez – uma escolha feita com o corpo inteiro, embora não seja das mais fáceis –, não abri mão das minhas convicções, nem do amor que sentia, e acima de tudo não desisti daquela que sempre foi a minha atividade favorita. Tenho 32 anos e mais da metade deles passei escrevendo. O que é engraçado, porque este é apenas o segundo ano em que me reconhecem como escritora.
Sustentar uma atividade criativa exige coragem. Como já escrevi aqui em outras ocasiões, arte não é útil e tem essa estranha tendência de ser relegada ao campo dos passatempos. Enquanto você tenta, pouca gente reconhece. Se você consegue, admiram sua tenacidade. É cansativo conviver com essa vontade de produzir algo tão abstrato quanto um livro, uma música ou um filme, quando o mercado exige um produto rentável, e você ainda não sabe se tem valor. São muitas as dúvidas que, somadas à necessidade de sobreviver, pouco dão espaço para a criatividade que não dá retorno imediato. Tem que ter coragem, sim. Mas também um pouco de descaramento, uma coisa de se abrir para a falta de vergonha. Como minha mãe sempre diz: vergonha é roubar e não poder carregar.
Levei alguns bons anos para admitir que queria ser escritora de ficção. Em um dos primeiros blogs que tive, a minha descrição era assim: “jornalista assumida e escritora enrustida”. Depois de colocar um pé para fora do armário e sentir a água, mudei a bio para jornalista e escritora. Então inverti a ordem, e dizia que era escritora e jornalista. Há quase dois anos, resolvi chutar o balde de vez. Agora, quando me perguntam minha profissão nos consultórios e estabelecimentos públicos, digo apenas que sou escritora. Ainda me sinto como um super-herói que assume em público sua identidade secreta.
Não foi fácil realizar essa transição de carreira e não, ainda não vivo só de literatura. Dar nome aos bois foi importante, contudo, para que eu me autorizasse. É que a gente fica nessa de achar que não sabe fazer, que não tem conhecimento bastante para ser nomeado, enquanto outras pessoas seguram a alcunha sem precisar de tanto currículo. Chamam a falta de atitude de complexo de impostor ou impostora. Eu já acho que é só ausência de confiança. O que aprendi nesses 32 anos, no entanto, é que a confiança é uma fantasia que se veste até que vire verdade, e não um órgão que cresce de forma espontânea. Eu não me sinto competente o tempo inteiro, nem mesmo uma escritora das melhores. O que não me impede de dizer que sou uma.
Quando a gente se assume em vez de esperar ser assumida, as coisas andam. Parece que a palavra convoca o feitiço da realização. Hoje em dia sinto orgulho em ser reconhecida como artista, alguém que faz literatura fora do eixo Rio-São Paulo. Tudo isso é fruto visível de um trabalho invisível que estou fazendo há mais de dez anos. Às vezes, pessoas que nunca me apoiaram quando eu estava na merda aparecem para me dar parabéns e perguntar como eu fiz para conseguir tal coisa. Acho engraçado. Parece sucesso, e é. Mas é um sucesso pé no chão.
Todo esse progresso não anula as dificuldades que ainda existem e vão continuar existindo. Para quem tem humildade o bastante, a agonia não acaba. No privado, quem me conhece sabe a quantidade de surtos. Se meus livros não estão vendendo muito bem, eu surto porque me sinto um fracasso. Se começam a falar bem demais, surto porque tenho medo de decepcionar nos próximos. A minha confiança é uma casquinha de ferida que eu arranco para fazer voltar a crescer.
O que importa é que continuo fazendo meus corres. Não desisti, e tampouco planejo fazer isso agora. Vivo com o medo constante de não conseguir trabalhos para pagar as contas, já que cometi a loucura de largar qualquer pretensão de um emprego CLT ou minimamente estável. Nesse ano, lancei uma assinatura paga do Substack e celebro cada um dos meus apoiadores. Comemoro todo e qualquer dinheirinho vinculado à literatura que entra na conta – e estou contando cada centavo que falta para pagar o adiantamento do segundo livro.
No meio do expediente, entre um freela e outro, ou em manhãs calmas de sábado e domingo, posso ser flagrada adicionando algumas linhas a um arquivo de Word. É que, para além de tudo que eu faço para poder escrever, eu ainda escrevo. E é isso que me faz escritora. Não a quantidade de livros, prêmios, reconhecimentos, entrevistas ou estrelinhas na Amazon. Desde sempre que sou ficcionista, contadora de histórias, mentirosa profissional; tenho um pé atolado na imaginação, amo inventar pessoas e desenhar com palavra, na minha cabeça as frases têm um ritmo e eu gosto de perseguir a elegância. Quando escrevo, sumo da realidade por horas, essa é uma droga pesada que me arranca do tempo.
Para quem também é assim, desejo aí um feliz dia. Que a gente possa se reconhecer e se assumir mais vezes.
Antes de ir...
Se alguém quiser me parabenizar (eu disse que é meu aniversário, hein), pode apoiar a newsletter por apenas R$ 9,99 ao mês assinando aqui. Ou comprar meus livros, o que também ajuda. Caso contrário, nos vemos daqui a 15 dias.
Adorei o texto! Tocou-me de várias formas. Muito diferente de ti, eu só estou começando essa jornada agora, já com meus 53 anos, e me sinto muito longe de poder me apresentar como escritor. Na verdade, nem para a minha esposa e filha eu assumia esse desejo até bem poucos dias atrás (será que existe um armário de escritores?). Desejo-te muito mais sucesso como escritora e toda a felicidade como mãe. Parabéns 3 vezes!
Que beleza de texto. Obrigada pelas palavras, parece que foram escritas pra mim. Falta-me coragem para me assumir escritora e terminar meu livro. Auto sabotagem que fala? De qualquer forma, sigo exercitando a escrita por aqui, ainda só na forma gratuita, mas, assim como você, comemoro cada assinatura que entra. ❤️
Parabéns pelo dia, pelo aniversário e pelo bebê. 🎉