Existe alguma coisa nas histórias que não obedece aos comandos do tempo. Dentro dos livros ninguém envelhece de verdade, nem a morte é definitiva. Não existe pressa, porque tudo já aconteceu enquanto acontece. Do outro lado é bem diferente. Poucos leitores pensam na pessoa que dedicou um pedaço de sua própria vida para mimetizar aquele infinito ali, porque fazer um livro não é uma coisa rápida, muito menos fácil. Ao começar algo novo, por exemplo, nunca sei se vou conseguir terminar. A única certeza é que, quando isso acontecer, já serei outra pessoa.
Escrever é uma espécie de clarividência que nem sempre se apresenta pronta. Como prever o futuro e estar sempre atrasada. Meus livros são feitos de passado, ao mesmo tempo em que sempre estarão no presente de quem lê, e é bem espantoso que continuem fazendo sentido, atravessando lugares e acontecimentos, até pandemias. Às vezes, é verdade, escrevo sobre coisas que ainda nem entendo direito. Ou que estou prestes a entender. Não existe nada mais curioso e lindo. Mas esse também é um exercício que exige paciência. Oráculo torto tem que aprender a esperar.
Vejo muita pressa nos autores e essa pressa, que é tão natural, faz um mal danado para o fígado, vai destruindo a esperança, em alguns casos azeda até a habilidade. Não sei se é um mal-estar civilizatório, uma coisa de entrar em pânico com a própria finitude, ou se é uma pressa inspirada pelas redes sociais e essa nova cultura em que só vale o imediato e as conquistas do momento. Mesmo as conquistas, vou te dizer, não se sustentam sem continuidade, sem uma literatura que ecoe o like. Mas como é que eu posso recomendar calma e paciência, eu me pergunto, se sei como é estar do outro lado, se já estive lá? A única coisa que eu posso dizer é que vale a pena. Pelo menos quando a entrega é inteira.
Esperar tem as suas vantagens. O que tanta gente vê como lacuna é parte do processo, um intervalo que pode ser usado para usar vários casacos, experimentar outras linguagens, descobrir o que se quer contar, como se quer contar. Se uma coisa não está funcionando, então partir para outra. Pode esquecer os aplausos. Na maioria das vezes, um parágrafo bem escrito só vai ter como resposta imediata aquela sensação quentinha, acelerada, de quem conseguiu transcrever o que andou há tanto pensando.
O processo de produção também é longo, envolve incontáveis leituras, remendos e revisões. Muitos não sabem, mas editores trabalham no futuro. São como nós, só que ao contrário. Eles, ao menos, conseguem planejar a aterrisagem. Fecham anos inteiros de publicações com meses de antecedência. E se angustiam quando algumas esperas, de cara, não parecem pagar o preço. Os fracassos e os sucessos também não respondem da mesma forma aos dias. Paciência.
O que eu queria dizer com isso tudo é que acho que publicar é maravilhoso, que é legal ter resposta do público, da crítica. Mas ainda acho que nosso trabalho é escrever. Por anos e anos, enquanto o resto do mundo se transforma um pouco mais rápido. Escrever à revelia desse tempo flecha, fabricado pelo capitalismo, que passa querendo atravessar. O tempo não flui para direção alguma. Ele existe diferente enquanto a gente cria, quem sabe exista em sua forma mais verdadeira. Esperar, nesse caso, é só adiar o encontro da leitura. Seja lá quando for a hora, eu garanto, sempre terá alguém para receber a mensagem. Talvez alguém que vai precisar dela.
Na Flip
Amanhã, quinta-feira, embarco para a Flip. Será apenas minha segunda vez em Paraty. Na primeira, levei o original do Apague a luz se for chorar na mala, com esperanças de encontrar uma editora. Deu bom. Para quem vai estar por lá, na sexta-feira, dia 25, às 19h, conversarei com a fantástica Carol Bensimon sobre nossos livros (leiam Diorama, é uma aula). Será na Livraria das Marés. Se por acaso me virem vagando, antes ou depois, não hesitem em chamar. Nessas horas atendo por Fabi.
Dica
Estou obcecada pelo documentário “Revelações Pré-Históricas”, disponível na Netflix. Um prato cheio para quem gosta de história, arqueologia e apocalipses diversos.
Fabi, lindo texto! 💛✨
Eu amei tanto esse texto que li duas vezes. ❤️