Nessa semana, a New Yorker publicou um trecho do novo romance da Sally Rooney, Intermezzo, que tem lançamento mundial previsto para setembro (um salve para a
que avisou dessa preciosidade). Como boa fã da irlandesa, pausei minha vida por alguns instantes para devorar a amostra e saí encantada, pensativa e com os fios de uma nova edição da newsletter em mente. Às vezes eu fico me perguntando por que eu gosto das autoras e autores que eu gosto, e quase sempre chego à conclusão que o motivo é a vida interna que os personagens parecem ter e a sofisticação de uma linguagem que só parece simples na superfície. Quando leio a Sally, tenho essa impressão. Eu amo livros cujos personagens têm alma, especulam sobre seus sentimentos e são livres para viverem de verdade o que está escrito. Quando alguém faz isso sem recorrer a rebuscamentos e malabarismos técnicos, sem afetação, como o texto dessa mulher, ganha minha admiração em dobro.Não sou muito afeita a certos experimentos literários modernos que buscam remodelar a linguagem na base do ego artístico, e não tenho vergonha de confessar. Quando leio livros verborrágicos feitos para exalar importância, mas sem um pingo de alma, tenho a sensação de ver um autor pequeno e orgulhoso gritando “olha para mim, olha o que eu sei fazer”. Não estou dizendo que sou contra toda e qualquer forma de experimentação, é claro, seria idiota se fosse. Um dos livros mais interessantes que li no ano passado – o Manto da Noite, da Carola Saavedra – é simplesmente narrado pela Cordilheira dos Andes. Nesse livro, Carola foi grandona e corajosa. É um livro tátil, quase uma viagem psicodélica. Não entendi nada, mas senti tudo.
A questão é que, para chegar no nível da experimentação, é de bom tom dominar o patamar anterior.
No geral, sou defensora da sofisticação mais engenhosa de todas: a arte milenar de se comunicar com as palavras do nosso tempo. Livros que te agarram pela garganta sem necessariamente realizar estripulias poéticas. Narrativas simples, até tradicionais, que contam histórias de pessoas vivendo histórias, e geram muitas horas de entretenimento com reflexão. Às vezes sinto muita falta dessa simplicidade na literatura, sobretudo nacional. De livros que me puxem, me fisguem, façam minha cabeça com um texto elegante. Narrativas com começo-meio-fim e parágrafos em dia. Acho que algumas pessoas já querem começar fazendo uma lasanha, um bife Wellington, mas sem aprender fazer aquele arrozinho com feijão bem perfumado e alhudo. Se você cozinha, sabe do que estou falando.
Os formatos existem para serem experimentados e remexidos, é claro. Quer escrever um romance caudaloso de trezentas páginas, sem usar parágrafos, apenas com letras minúsculas, fluxo de consciência, de trás para frente e sem substantivos com a letra P? Vai em frente, meu jovem. Cai para dentro. Mas, antes de tudo, vale perguntar: você sabe o básico? Entende sobre narradores, conhece seus personagens profundamente, domina os tempos verbais, sabe colocar vida nas suas palavras? Todo grande autor que consegue o mérito de criar a sua própria linguagem tem por trás um enorme conhecimento do idioma no qual pratica suas belezas, quase sempre é uma pessoa experiente, um contador de histórias nato, Saramago que o diga. Raduan que o diga. A nós, reles mortais, resta o aprendizado constante.
A minha dica, para quem está começando, é evitar cair nas armadilhas do rebuscamento e da reinvenção da roda. É de uma humildade sem fim começar pelo básico, criar familiaridade com o convencional, para depois distorcer a estética. E por básico me refiro a entender coisas como o uso do pretérito mais-que-perfeito, a adequada pontuação de um diálogo (caso pontuem) e a noção geral de como conquistar um leitor para chamar de seu. Se não sabe como continuar um conto, por exemplo, se travou na escrita, se não sabe por onde ir, vai no mais singelo: escreva sem tentar ser maior do que aquilo que a história pede, escreva de um jeito cuidadoso e simples. Depois, há espaço para remodelar e crescer. Vai por mim, as chances de que o texto fique melhor são maiores assim do que encher de palavras rebuscadas ou acrobacias poéticas de outros tempos. Escrever aquilo que você entende é a melhor forma de transmitir o que você sente.
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eu amei tanto ler isso. a única coisa que eu não compartilho é o amor pela Rooney, mas eu entendo totalmente porque ela conquista e respeito-a muito por isso.
teus textos tem chegado na inbox como oásis <3
Obrigada por esse texto e pela menção. Vou sentar pra ler o texto novo da Rooney, porque ainda não deu tempo. 😘