Leitores queridos, essa é a primeira “edição mista” da newsletter. A primeira parte é aberta a todos e a segunda, na qual detalho partes do meu processo criativo e da escrita de um romance contemporâneo, é reservada a assinantes. Se você curte as tristezas, aproveite para assinar. Custa só 9,99 ao mês e temos um pacote de benefícios extras a caminho, como oficinas e sorteio de livros.
Na última semana, participei da gravação do Encontro com a Autora, um programa muito legal da TV Câmara que se dedica a entrevistar escritores e escritoras brasileiros. Foi uma honra participar, porque há tempos eu namorava a possibilidade de ser convidada. Já circulei várias vezes pela Câmara dos Deputados quando era repórter e assessora de imprensa, e entrar na casa como entrevistada teve um peso diferente. Bateu um orgulhinho. Mediada pelas queridas Maíra Brito e Maria Amélia Elói, a conversa foi super legal e estará disponível para todo mundo ver no mês que vem. Aviso aqui quando estiver disponível no Youtube.
Durante o papo, contei que tenho vários romances acabados na gaveta, mas que por ora não pretendo trabalhar em nenhum deles. Elas me perguntaram, então, o motivo, e eu respondi a verdade: não é que meus trabalhos anteriores não estejam ou possam ficar bons, eu só sou outra pessoa, tenho outras referências, outros pensamentos, e agora quero escrever a partir desses novos lugares. Sinto que a pandemia causou uma guinada brusca no meu processo criativo. Não estou só pensando diferente, estou escrevendo diferente (espero que esteja escrevendo melhor). Agora que estou produzindo meu terceiro romance, percebo como tudo mudou, inclusive a minha relação com esse ato que costumava ser tão íntimo.
Há muitas peculiaridades em ser uma escritora de literatura contemporânea em um mundo mediado por tecnologias que interferem no fazer criativo. Não estou falando aqui apenas das ferramentas de inteligência artificial, mas também das redes sociais e dos ruídos que elas causam. Essas plataformas foram feitas para a exibição e a performance, e acabam exercendo sobre os escritores uma certa pressão para que se tornem a própria mercadoria. Sem falar no estresse causado pela comparação: ninguém compartilha a verdadeira trolha que é escrever um livro, mas todo mundo faz postagem bonitinha para dizer que terminou ou que assinou o contrato de publicação. Ninguém diz como é angustiante trabalhar com isso, mas no Instagram o que mais temos são dicas imperdíveis para ser um autor de sucesso. É cansativo, honestamente, e mais de uma vez falamos sobre isso aqui.
Sinto que o esvaziamento da privacidade acaba influenciando também na solidão natural do processo. A escrita de um romance costuma funcionar no isolamento, em princípio nós somos nossos únicos leitores. É diferente, por exemplo, de escrever um post, ou até mesmo um texto para o Substack. Os prazos no meio editorial correm longos, cheios de segredos, e alguns escritores iniciantes não entendem a paciência necessária para ver seus esforços frutificarem. Eles querem escrever e aparecer. Quando, na verdade, o recolhimento é a maior constante, e os primeiros leitores só são pescados muito tempo depois que a palavra é lançada ao mar.
É claro que, quando estamos empolgados com algum projeto, a vontade é de sair falando sobre ele. Postando trechos inteiros nos stories. Divulgando todos os trâmites e detalhes. É natural do ser humano querer compartilhar, mas guardo aqui as minhas superstições sobre isso. Acho, muito sinceramente, que dá azar falar demais. Além de que as histórias mudam o tempo inteiro. Pode parecer que temos o controle da narrativa, mas quanto mais escrevo percebo que é justamente o oposto. A narrativa é que se constrói dentro de mim. Como é que vou contar sobre algo que ainda nem descobri direito?
Dito isso, também acho muito interessante quem compartilha detalhes de seus processos criativos. É uma honra viver no mesmo tempo e lugar que alguns dos meus escritores favoritos, e ter um vislumbre de como eles pensam e trabalham. Conduzir uma newsletter sobre escrita e literatura, por exemplo, tem influenciado na forma como escrevo o romance novo. Preciso me segurar para não sair aqui contando tudo antes da hora para vocês. Refletir sobre questões de escrita me ajuda a organizar as ideias, me deixa até mais animada, o que é bastante positivo.
Além disso, é verdade que agora tenho leitores – não muitos, mas tenho – e lidar com a expectativa dos outros é um negócio que também influencia (até demais, essa é uma voz que cabe silenciar). Sem contar na quantidade de outros fatores externos que, se abrirmos brecha, entram e contaminam a vontade de fazer qualquer coisa – será que está bom, será que esse tema é relevante, será que vale a pena?
Somos produtos de nosso tempo, o grande desafio é saber conduzir isso de uma forma serena, alheia aos ruídos, entendendo que também não é possível ser trancado em uma masmorra e só sair de lá com alguma coisa pronta. Ser escritor contemporâneo, afinal de contas, também é saber lidar com as condições sociais da época, e a nossa é cheia de novidades e rupturas, arrastando o peso incontornável da mudança.
Outro aspecto que me leva a querer escrever algo novo é essa sensação esquisita de que tudo está se transformando muito rápido. Artista que sou, não posso deixar escapar a sensação estranha de viver à beira do desastre, como um pequeno dinossauro contemplando a cauda do meteoro, além de contemplar com doses iguais de espanto e admiração os geradores artificiais de texto e imagens. A única coisa que ganha, certamente, é a minha ficção, nunca estive tão inspirada na vida, e isso diz muito a respeito de todo o resto.
Escrevendo ficção contemporânea
Uma coisa que quase todos os meus originais de gaveta têm em comum é que se passam em épocas anteriores ao novo milênio. Tenho, por exemplo, um romance histórico que foi premiado em um edital do Ministério da Cultura
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