É uma verdade universalmente conhecida que qualquer escritor que decida mostrar o seu trabalho enfrentará, em algum momento, o repúdio e o ódio. A literatura brasileira por vezes parece um campinho de várzea, em que tanto os torcedores quanto os jogadores emitem opiniões contundentes sobre o que está em jogo. É natural. Estamos dentro do campo subjetivo, as pessoas gostam de coisas diferentes, e faz parte da vida defender o que se gosta. Alguns, no entanto, vão mais longe, e fazem questão de vociferar impropérios contra aquilo que detestam.
O hater é diferente de um crítico tradicional. O crítico lê o seu trabalho com ponderação, e se o metralha quase sempre é de forma educada. Eu gosto de críticas: elas iluminam as minhas falhas, me ajudam a crescer. Mas a internet, esse lugar nem sempre luminoso, também é habitada pelos seres discordantes que não parecem odiar apenas o seu trabalho, mas a sua pessoa. Então se dedicam a alfinetar o autor, na maior parte das vezes chutando cachorro morto. É um movimento que, infelizmente, tem alcançado o Substack. Aqui e ali, as indiretas florescem, estimulando picuinhas. O escritor, basicamente um morto de fome, não pode nem pedir para que assinem sua newsletter, veja que absurdo!! Quem você pensa que é para achar que tem algo de útil a passar para os outros, que pode escrever e cobrar por isso? Quem você pensa que é para se chamar de artista?
É difícil. Para alguns autores, é quase paralisante. O medo desse julgamento absoluto dos leitores pode fazer com que alguém desista de escrever. Há alguns anos, no entanto, recebi o melhor conselho a respeito, aquele que ainda pratico, e que me incentiva a continuar mesmo sabendo que tem muita gente que não vai gostar do que eu faço. É que, quando lancei meu primeiro livro, Apague a luz se for chorar, quase entrei em colapso de medo e ansiedade. Veja bem, até ali eu havia publicado muitas coisas – contos, uma novela na internet – mas era, para todos os efeitos, uma completa desconhecida. Não que agora as pessoas me conheçam, claro, mas por algum motivo eu sabia que lançar um livro de estreia pela maior editora do país poderia me trazer uma visibilidade maior do que eu estava acostumada, já que eu teria um pouco mais (não muito) que meia dúzia de leitores, contando com a minha mãe.
A minha ansiedade não se confirmou, a princípio: eu não era tão importante assim, e lançar um livro não faz com que as pessoas imediatamente prestem atenção em você. Você pode até ter a sensação que acabou de fazer algo imenso, que te exigiu toda a carga mental possível e merece ser anunciado na rua com fogos de artifício e banda marcial, mas na maior parte das vezes isso passa batido no mundo, e demoram a descobrir o que você escreveu. No meu caso foi assim. Alguns dias depois do lançamento, contudo, encontrei em uma rede social uma resenha crítica que não apenas destruía meu livro (o que é compreensível, já que é um romance de estreia com muitas falhas), mas também a minha pessoa. Na resenha, a pessoa dizia que eu era uma escritora fraca e capacitista – um dos personagens do Apague a luz é o pai de um menininho com deficiência, e nem preciso dizer que ele (não eu!!!) é um escroto a respeito da criança.
Eu quase morri de tristeza, pensei que nunca mais escreveria nada, publicar muito menos. Um amigo, no entanto, jogou a real. “Fabi, sempre vai ter alguém para te achar um lixo e alguém para te achar um gênio”, ele disse. “E você não é nenhuma das duas coisas. Você é uma escritora tentando fazer seu trabalho da melhor forma que pode”.
Esse conselho me trouxe um conforto enorme, porque é muito verdadeiro. Quando a gente faz o melhor que pode, a consciência fica tranquila feito uma piscininha em um domingo de sol. Ao resolver colocar suas palavras no mundo, pode ser que você tenha fãs. Pessoas que te admiram, que te colocam em um pedestal, mas é sempre razoável não se deslumbrar pelos elogios, principalmente os excessivos. Você ainda está aprendendo. Ainda está se aperfeiçoando. Da mesma forma, sempre vai ter alguém para dizer que você é uma pilha de esterco que nunca mais deveria se atrever a se pronunciar em público. E isso também não é verdade.
É muito doloroso ser mal interpretada e sofrer ataques por algo que escreveu. Já passei por isso, tenho amigas que passaram por isso. Mas é saudável aprender a dissociar. No fim das contas, estamos todos aprendendo, tateando juntos esse território tão complicado da criatividade. Acho que o mercado literário ainda tem muitas picuinhas, muita arrogância em relação ao que deve ser considerado bom e, no entanto, não vejo sentido em desestimular autores. Escritores não nascem sabendo escrever. É possível refinar, crescer e melhorar. Isso vale também para mim. Apesar da quantidade razoável de pessoas assinando esta newsletter, eu sempre fui honesta e deixei claro que não sou senhora da razão.
Do outro lado do balcão, como leitora, também faço julgamento sobre as obras que não gosto – mas nunca desmereço os autores por isso. Se você não gosta do livro de alguém, beleza, é porque aquilo não funcionou para você. Se você não gosta da newsletter do amiguinho, beleza, é só não assinar. Agora, quando o sucesso do outro te irrita muito, a ponto de mexer com o fígado, então temos que investigar os motivos disso.
Às vezes, o sucesso alheio me revolta porque acho, no meu mísero julgamento de valor, que tem coisa muito melhor não merecendo atenção. E, enquanto leitora, sou também um pouco tiete daquilo que gosto, e dependendo do caso posso até fazer o Kanye West. O sucesso alheio também pode me revoltar se o autor calhar de ser uma pessoa mal caráter e cuzona. Nesse caso, é saudável deixar o tempo agir, porque o tempo é um excelente derrubador de máscaras. Mesmo quando sinto que o sucesso alheio é injustificado, no entanto, não deixo que isso envenene a minha alma. Afinal de contas, outra pessoa chegar na frente não significa que você nunca chegará. O sucesso do outro não anula as suas possibilidades. Tem lugar para todo mundo, como diz a querida colega Paula Fábrio, uma escritora foda.
Caso o hate te alcance, eu desejo que você sobreviva. Que passe por isso com tranquilidade, e não desanime. Caso você seja o autor do hate, desejo que respire e processe suas emoções. Tem lugar para todo mundo. Aqui, na literatura e em todos os cantos.
Se o Substack fosse de papel eu teria usado marca-texto em todos os parágrafos! Obrigada por este texto. Antipatia gratuita por alguém? Ok, entendo, também tenho as minhas. Ficar alfinetando e diminuindo? Nem quem tem 12 anos tem justificativa pra isso. O povo da picuinha mata muitos criativos e ideias todos os anos...
Viva a Fabi! Precisava muito dessa edição nesses dias em que meto da faca na caveira pra terminar o romance novo morrendo de medo do que vão achar.