Vídeo da instalação de arte Machine Hallucinations — Nature Dreams. König Galerie, Berlin
Quando criança, por muito tempo alimentei a crença de que os livros falavam comigo. Eram as histórias que me ensinavam tudo que eu precisava saber, quando eu precisava saber. Já deixei de enxergar a leitura como um portal mágico, mas é fato que existe na literatura uma coisa de oráculo, uma sincronicidade que é próprio da humanidade cultivar. Livros são mensagens. Quem cria está o tempo todo tentando escutar.
Passeando pela Flip, na semana retrasada, comprei uma pequena coletânea de ensaios da Carola Saavedra, que eu não tinha lido ainda, chamada O mundo desdobrável. Li o livro inteiro em poucas horas, espantadíssima com o fato de encontrar tanta ressonância das minhas ideias com as da Carola. Ideias sobre o fim do mundo, a sustentabilidade como caminho e a linguagem como instrumento de previsão. Não conheço Carola pessoalmente, mas senti uma afinidade imediata, de mensageira para mensageira.
Também na Flip tive oportunidade de conhecer o Thiago Camelo, autor de um romance de estreia muito bonito e muito triste chamado Dia Um, e com quem rolou uma conexão imediata de ideias. Como eu, Thiago escreveu um livro sobre luto. E, como eu, tem pensado feito um maníaco sobre tecnologia, inteligência artificial e a origem da consciência. Nós dois não apenas falamos sobre isso. Nós conversamos de verdade, o que às vezes é um pouquinho raro.
É engraçada a forma como as coisas caminham e os sinais espalhados pela realidade, feito migalhas de pão, têm o significado que damos para eles e algo mais.
Naquela mesma noite, andando pelas ruas de Paraty ao lado da Carol Bensimon, outra grande autora que tive o prazer de encontrar na Flip, procurávamos um lugar para comer que não estivesse exaustivamente cheio e acabamos em uma espécie de restaurante-miragem, que de longe parecia ser uma coisa bem diferente daquilo que era. Diante de um DJ dedicado que criava batidas para a plateia cansada, a tradicional televisão do lugar exibia imagens de um mundo de florestas e riachos bem distante dali, por acaso a terra silenciosa onde Carol vive. Ficamos impressionados com a coincidência, isso de sair de um lugar para reencontrá-lo. É raro, e é verdade que acontece o tempo todo.
Eu não tenho escrito nada há meses, mas isso não significa que eu não esteja escrevendo. Todas essas experiências têm começado a organizar uma outra vida aqui dentro, ainda que as ideias estejam fragmentadas, e se o momento é de silêncio, quem sou eu para questionar?
Por muito tempo achei que precisasse estar sempre contando alguma história, nas mil e uma noites de mim mesma, narrando a vida para enganar os meus vilões. Foi assim que meu cérebro foi moldado. Nas coisas que tenho lido e que têm chegado, no entanto, o sinal é outro. Ele me diz para esperar. Para examinar tudo isso com o encantamento de uma criança, escrever uma criança, e observar a maré que chega de fininho sem tentar antecipá-la. Eu não sei o que vai sair disso tudo. Mas com certeza vai fazer sentido.
Opa, fui citada! <3
Curiosa para ler esses ensaios da Carola.
Oi, Fabiane! Acho que eu fui assim com você quando li seu livro. Mesmo sabendo que não era você ali nos personagens, eu acredito ser praticamente impossível não ter um tantão de nós nas nossas escritas, né? Ao ler esse seu texto hoje, novamente ele ressoou forte em mim, que criei essa newsletter no auge do meu puerpério, ainda de licença-maternidade, na desesperada busca por mim mesma - ainda não consegui publicar nada, mas os textos vêm se construindo há muitos meses no meu bloco de notas, nas lembranças, nos meus dedos que às vezes transbordam letrinhas no teclado. Mas ainda não publiquei. Estou respeitando esse silêncio que você mencionou <3 É bem bom se reconhecer em processos. Um grande beijo, estou ansiosa pelo seu novo livro!