Todo mundo sabe que eu estava ansiosa, ansiosíssima, para ler o novo romance da Sally Rooney, Intermezzo. Pois ontem terminei a leitura e... confesso que fiquei um pouco decepcionada. O livro traz muitas marcas que aprecio no estilo da Rooney, como o envolvimento com as crises internas dos personagens, a percepção aguçada das relações humanas, com destaque para a comunicação contemporânea e seu potencial para desentendimentos. Apesar das quase 500 páginas, é uma leitura que flui muito bem.
Algumas coisas me irritaram no romance, no entanto, entre elas o conservadorismo da narrativa. Há uma personagem que sofre um grave acidente (nunca descrito com propriedade) e fica incapacitada de fazer sexo “do jeito convencional”. Vem cá, sexo só é sexo com penetração? Essa personagem, aprendemos ao longo do texto, ainda pode se masturbar. Será que esse plot não seria mais rico caso explorasse as diversas vivências sexuais? Por que essa pessoa (que é interessantíssima, aliás) tem tanta resistência a imaginar o sexo de outra maneira, preferindo abrir mão de quem ama e causando tanto sofrimento a todo mundo? Outro conflito do livro é o relacionamento entre uma mulher de 36 anos e um rapaz de 22. Ok, é uma diferença considerável, mas do jeito que é descrito no livro parece que a moça de 36 é uma senhora caquética de meia-idade, e o rapaz de 22 é apenas um pobre menino adolescente. Os trintões, aliás, vão se sentir bem velhos na visão da Rooney.
Também achei que a relação entre os irmãos, Peter e Ivan, não ficou bem delineada. Não temos uma real noção de como eles eram enquanto cresciam ou antes da morte do pai, todos os detalhes do passado são descritos muito rapidamente, o que enfraquece o vínculo atual (ou a falta dele). Talvez esse vazio pudesse ser contornado caso tivéssemos alguma cena no passado, uma lembrancinha mais forte que fosse. Quem sabe se o pai aparecesse, ali em forma de flashback, de sonho? Além disso, o ritmo da narrativa na parte do Peter, com seu fluxo de consciência em terceira pessoa – embora eu admire a tentativa da Sally de fazer algo diferente – ficou repetitivo com o passar das páginas. Aquelas sentenças curtas. Enfileiradas. Apontando detalhes. Sem aprofundar nada. Você sabe fazer melhor, Sally.
Enfim, embora eu concorde com esse review aqui embaixo em muitos aspectos, estou longe de achar um livro ruim. Ainda é um bom romance, só penso que faltou mais edição. E é justamente isso que me deixa intrigada. Embora a Sally Rooney já tenha declarado em entrevistas que não lida bem com o sucesso e não gostaria de ser vendida como um prodígio, a Taylor Swift da literatura, fico me perguntando se ela aceita ser questionada por seus editores. Ou se as pessoas da Faber só leram e falaram “lindo, maravilhoso, taca-lhe o pau”. Se foi isso que aconteceu, acho uma pena. A pior coisa que pode acontecer a um escritor é acharem que ele tem sempre razão nas coisas que escreve.
Intermezzo é um livro bom. Se alguém tivesse parado para analisar essas e outras questões a fundo, no entanto, tenho certeza que seria um livro fantástico. Claro, muitas pessoas amaram o romance e tudo mais. É sempre uma questão de ponto de vista. Pelo que andei lendo, no entanto, não fui a única a ter essa percepção – a de que o livro ganharia muito com uma edição mais robusta.
Essa não foi a única decepção literária que eu tive nos últimos dias. Como escrevi nessa edição aqui, antes de ler Intermezzo finalizei Creation Lake, uma leitura que eu estava amando, que já figurava entre as melhores da vida, mas que degringolou de uma maneira absurda do meio para o fim… E não estou falando apenas de não gostar dos caminhos escolhidos para os personagens, mas de escolhas estéticas e de foco narrativo, mesmo. Há um final meio absurdo que poderia ter sido salvo, acredito, por um olhar apurado de quem publicou.
O processo de edição
Quando se trata de escrever ficção, é o olhar do editor que ajuda a enriquecer o livro. Ter um bom editor é um privilégio. Esse é o profissional que lê o original e aponta inconsistências, sugere melhorias, ajuda a gente a encontrar os buracos deixados pelo caminho. Não se trata apenas de fazer sugestões de texto – essa frase aqui ficou estranha, parça – mas de pensar o livro como um todo, avaliando os caminhos escolhidos e a firmeza dos personagens. É claro que você sempre pode discordar das sugestões, e essa é uma prerrogativa do autor. Ter humildade para rever o próprio trabalho, entretanto, é uma ótima maneira de evoluir. Talvez seja a única.
Sempre tive uma ótima experiência com edição na Companhia das Letras. Todas as pessoas com quem trabalhei até hoje foram essenciais para o meu crescimento como autora. Lá na Alfaguara estamos trabalhando no meu novo romance, inclusive, e já tive a primeira reunião de feedback, com uma listinha considerável de aspectos a rever. Meu novo livro está bom. De muitas maneiras, é a melhor que coisa que já escrevi. Mas eu não quero fazer um livro bom. Eu quero fazer um livro ótimo. E, se tem coisas que ainda precisam ser trabalhadas, e eu concordo que temos várias, então é isso que vou fazer (se eu vou conseguir, aí já é outra história, mas o importante é que vou pelo menos tentar).
Mexer no próprio texto não é nenhum bicho de sete cabeças, por mais trabalhoso que seja, porque faz parte do processo de gestar uma obra, qualquer que seja ela. Nada sai lindo, limpo, pronto. Quando você olha para o livro ali, na prateleira da livraria, pode dar essa impressão. De que o rebento esteve sempre naquela forma de criança crescida, de que nunca foi gestado, um pedaço de cada vez. É normal que sejam feitos apontamentos, que determinados personagens estejam em desequilíbrio, que capítulos inteiros precisem ser limados. É normal também se sentir um lixo com possíveis críticas, ou um desânimo natural com o retorno à escrita – como se, por não ter saído perfeito à primeira vista, também não pudesse ficar.
É claro que, em algum momento, esse processo precisa ser dado como encerrado. Mas, pelo menos no meu caso, existe uma angústia grande com o final da edição, uma sensação de que ainda tem como melhorar. Eu sou doida, no entanto. Não sou parâmetro. Sequer gosto de revisitar meus livros, porque sinto uma vontade doida de mexer neles. Eu faço sempre o melhor que posso no momento em que estou escrevendo. Esse é meu lema pessoal. O melhor livro que já escrevi ainda vou escrever.
Queria saber se a Sally também pensa assim. Se ela gosta de ouvir o que dizem. Se vai levar em conta as críticas que receber, ou apenas ficar furiosa. Tenho uma curiosidade verdadeira, de autora para autora, sobre como uma mega estrela da literatura se sente quando seu trabalho não sai tão perfeito assim. Acho que ela deve ser bem tranquila. Espero que seja. Por aqui, continuarei a ler tudo dela, de qualquer forma.
Quantas vezes as minhas amigas não me salvaram com uma leitura sincera sobre o que escrevi hahaha nunca passei pela experiência de um editor, mas mais vezes do que posso contar as minhas amigas souberam me ajudar com a solução para cenas que eu sabia ter um problema, que alguma coisa estava esquisita, mas sozinha não conseguia ver uma saída.
fico na dúvida também se houve tempo para uma edição mais cuidadosa ou se ela foi atropelada por necessidades mercadológicas de publicar logo.