Nesse ano, li menos. Não, na verdade não é que li menos, o que acontece é que gostei menos das coisas que li. Mergulhei em uma ressaca literária daquelas, poucas coisas me fizeram brilhar os olhos. Eu não ia divulgar minha compilação das melhores leituras porque criei um bode absurdo das listas que andam sendo divulgadas por aí, principalmente as dos grandes jornalões, que parecem enaltecer obras de uma forma muito suspeita, na qual o parâmetro é tão subjetivo que eu mal consigo decodificar. Enfim, posso não ser ninguém na fila do pão, mas no fim das contas achei que seria legal mandar um destaque do que eu mais apreciei por aqui (lembrando que não está em ordem de estrelas, e que não é uma lista de obras lançadas nesse ano, e sim encontradas). Pequenas pérolas que, garanto, atenderam meu gosto simplório.
Yellowface (A impostora), R. F. Kuang
Comecei o ano com esse livro divertidíssimo sobre uma escritora branca que rouba o manuscrito de sua amiga asiática, morta em um acidente bizarro. Acho que esse é um livro que talvez só faça sentido e tenha muita graça para quem é escritor. De qualquer forma, eu amei muito, e fiquei desejando morar em um país onde a carreira de escritora é mais possível.
Canto eu e a montanha dança, Irene Solà
Não preciso nem falar desse aqui, minha melhor leitura do ano, disparado, tanto é que cheguei a escrever um post inteiro sobre o livro. Também estou lendo (e gostando) do segundo romance dessa autora catalã que já virou uma favorita da vida.
Estrela da manhã, Karl Ove Knausgard
Não li e nem tenho pretensões de ler a série autobiográfica do Knausgard, para dizer a verdade eu morria de preguiça dele. Mas esse romance me pegou de jeito. A trama meio metafísica é a seguinte: aparece uma grande estrela no céu, um troço enorme e absurdo, que pode ou não anunciar o apocalipse. As pessoas que orbitam o livro, entretanto, continuam vivendo suas vidinhas, e se tem uma coisa que eu preciso bater palmas para o norueguês é que ele sabe narrar o cotidiano como ninguém. Livraço.
Sobre o cálculo do volume 1 e 2, Solvej Balle
A premissa desse livro de ficção científica publicado pela Todavia não é nada nova ou original: uma mulher fica presa no tempo e passa a viver o mesmo dia infinitamente. O que é original, aqui, é a forma como a autora aborda o acontecimento – não temos grandes revelações, e a protagonista fica tão chocada quanto a gente ao se ver nessa situação, tanto é que sua primeira reação é tentar continuar com a mesma rotina de antes. O livro tem uma forte pegada filosófica que eu curti muito, e pode ser encaixado em um gênero que eu adoro, que é a ficção científica triste/melancólica. Só depois que eu fiquei mega fisgada descobri que são SETE LIVROS. Já era. Caí nessa vala e ainda incentivo os outros a caírem também (juro que vale a pena). Espero que um dia os outros sejam publicados LOGO.
Pequenas coisas como estas, Claire Keegan
Esse aqui é uma pequena joia literária, daqueles que provam que, às vezes, menos é mais. Na trama, acompanhamos um vendedor de carvão contemplando um esquema criminoso de tráfico de bebês e aprisionamento de mulheres praticado pela igreja católica na Irlanda. É um livro tão bom, mas tão bom, que tira a graça de todo o resto. Boa leitura para o Natal!
De onde eles vêm, Jeferson Tenório
O Jeferson matou a pau de novo, e para mim esse foi o melhor nacional do ano. No livro, acompanhamos Joaquim, um jovem negro que entra na universidade por meio da política de cotas. Sei que muito ainda será falado e elogiado sobre esse romance, por abordar muito bem o cenário das ações afirmativas e o combate ao racismo no Brasil, mas a grande verdade é que o livro é um belíssimo page turner, daqueles que você começa e não quer mais largar. Redondinho, gostoso de ler, com personagens reais, bem editado, uma delícia cremosa.
A árvore mais sozinha do mundo, Mariana Salomão Carrara
A Mariana é uma das escritoras mais competentes que temos, e achei muito original a forma como ela encontrou para contar a história (tristíssima) de uma família de produtores de tabaco: por meio de pontos de vista singulares como a de uma árvore, de uma roupa de proteção, de uma caminhonete e um espelho. Achei belíssimo, mas vale o disclaimer que é um livro TRISTE. Triste mesmo, daqueles que te deixa meio meme Pablo Escobar na piscina, sabe?
O inconsciente corporativo e outros contos, Vinicius Portella
O Vinicius é um moleque sangue bom aqui de Brasília, de quem eu já tinha ouvido falar, mas cometi o equívoco de demorar a ler. Uma pena, porque esse livro de contos dele me deixou completamente maravilhada. É uma das melhores coisas que li esse ano disparado, e acho que pouquíssimas pessoas têm a manha de escrever os nossos tempos como ele. Recomendo absolutamente e sem ressalvas, em particular o conto sobre o Chat GPT.
Outros destaques sensacionais do ano:
108, Surina Mariana – Conhecer o trabalho dessa vizinha de Substack foi um dos pontos altos do meu ano. Esse livro é maravilhoso para quem quer refletir sobre a própria vida, conhecer mais sobre práticas meditativas e o budismo.
A mulher de dois esqueletos e Ruína y Leveza, Júlia Dantas – CERTEZA que tem alguma coisa na água dos gaúchos, para escreverem tão bem. Nesse ano teve dobradinha de Júlia aqui em casa, e sigo admirando cada vez mais o estilo da colega.
Tinta branca, Alexandre Alliatti – Conheci o Alexandre durante um evento que fizemos em São Paulo, e ele gentilmente me deu de presente seu romance, que ganhou o Prêmio São Paulo de Literatura. Nem precisei de muito tempo para entender o motivo do mérito. Li em quatro horas. Livraço. Também recomendo sem ressalvas. Ansiosa pelo segundo romance do autor...
Tell me everything, Elizabeth Strout – Sou mega ultra fã da Elizabeth Strout, e se você nunca leu Olive Kitteridge eu sinto muito para você. Nesse romance mais recente, ela reúne em um livro só suas duas personagens mais icônicas: Lucy Barton e a própria Olive. Para quem é fã, mais gostoso que um prato de salpicão depois da véspera de Natal.
O amigo e Os vulneráveis, Sigrid Nunez – Parece que esse foi um grande ano para a Sigrid Nunez, especialmente depois que o Almodóvar adaptou O que você está enfrentando para o cinema. Sorte da editora Instante, que publica a autora com louvor há algum tempo. Cá entre nós, eu até li O que você está enfrentando (gostei médio), mas os melhores dela que li nesse ano são O amigo e Os vulneráveis, dois romances que partem, curiosamente, do cuidado de animais (um cachorro e um papagaio) para refletir sobre a vida e o luto.
Três camadas de noite, Vanessa Barbara – Sou fã da Vanessa e não é de hoje. Esse romance meio enciclopédico sobre uma escritora, tradutora e mãe me pegou forte. É sobre maternidade, sobre criar pessoas, mas também sobre depressão e as porradas da vida. Muito bom mesmo.
Para mim, 2024 foi um ano de descobrir clássicos. E, nessa jornada, li aquele que se tornou meu livro favorito da vida (até aqui). Cem Anos de Solidão foi o livro que fez eu querer redescobrir minha própria escrita. Deixo aqui meu incentivo para que todos leiam o Gabo.
Obrigado pelas indicações, Fabi!
Comentarios sinceros fazem a gte querer ler (ando exausta de elogios vazios). ✨