Durante um evento que participei no último sábado, uma leitora me fez uma pergunta ótima, do tipo que a gente leva alguns segundos para pensar em uma resposta preciosa. Ela queria saber o que é um bom livro de estreia, na minha opinião. Não sou uma especialista em mercado editorial, nem acho que nessa área seja possível prever condições ideais de atmosfera e pressão, mas respondi que um livro de estreia não tem que ser perfeito, mas precisa apresentar uma voz interessante. É raro, raríssimo, que alguém consiga ser extraordinário com um primeiro trabalho. Acho que a estreia serve para abrir uma janela de potencial que, mais tarde, será atravessada por completo.
Por acaso, também na semana passada, fez bastante burburinho esse artigo da Folha publicado pela professora Dirce Waltrick. Nele, a professora comenta sobre o surgimento tão frequente de “gênios” na literatura brasileira contemporânea. Livros que já nascem elogiados, resenhados nos grandes veículos, com orelhas assinadas por outros autores consagrados. Todo mundo ficou se coçando para saber a quem a professora se referia, e achei engraçadíssimo que cada um pensasse ali em alguém, mesmo que não verbalizasse. Ficou ainda mais óbvio que a professora estava coberta de razão.
As questões apontadas pelo artigo não são novas. As relações de compadrio na literatura brasileira existem desde sempre. Em um círculo tão pequeno, tão restrito, é inevitável que os amigos elogiem os amigos, e que alguns romances sejam celebrados além da dose. É curioso que os gênios estejam todos reunidos em São Paulo e sejam homens, não é mesmo? Deve ser alguma coisa na água da cidade.
Ironias à parte, o problema, para mim, é o fato de o mercado precisar se amparar nesse esquema danoso, que não favorece ninguém, e que de certa forma também está ligado à forma como os leitores se comportam. Parece que a régua, quando se trata dos autores nacionais, é colocada dois dedos acima. Não há espaço para livros mornos, bons-mas-não-espetaculares, ou livros que sejam pura e simplesmente um bom passatempo. Para furar a bolha dos escritores que leem escritores, para ser lido e comentado no ônibus, o livro precisa ser sério, extraordinário e genial. A mesma cobrança não existe entre os trabalhos estrangeiros. Pressupõe-se que os livros que chegam por aqui traduzidos são aqueles que fizeram sucesso e que, por isso, são maravilhosos (como uma querida andou defendendo no Twitter outro dia). O que está longe de ser verdade.
Acho que é pesado e injusto exigir que escritores nacionais sejam assim tão perfeitos em sua primeira empreitada. Não estou advogando em defesa da publicação de livros ruins, que fique claro. Só estou dizendo que nesse afã de produzir o próximo Torto Arado, corremos o risco de esquecer que fazer literatura é uma jornada. Há bons escritores que às vezes escorregam e fazem coisas irregulares. Temos escritoras espetaculares que começaram com trabalhos medianos. Pode ser que um livro nacional não comova tanto, nem mude sua vida, mas apresente uma voz que valerá a pena acompanhar.
É isso que me motiva a seguir publicando. Saber que não é uma maratona para correr em um dia. Meus livros nunca ganharam lá muito espaço na mídia nacional, é verdade. De gênio, nunca fui chamada. Para algumas pessoas, como bem sabemos, o trabalho de se destacar é dobrado. O sucesso que uns alcançam com dois, três livros, às vezes para a gente só virá com seis. Paciência. O importante é focar no próprio trabalho, fazer alguma coisa que seja motivo de orgulho, fazer o melhor possível. Eu tenho muito orgulho do meu projeto literário e dessa identidade que estou construindo a cada livro. Eu comecei, mesmo que a voz da autocrítica por vezes ainda me diga você não é boa, você é ridícula, olha esse texto que péssimo. Eu comecei e não desisti.
Não sei ainda onde isso vai parar, só espero continuar não desistindo.
Suas newsletters chegam aqui como um abraço. Um amparo para continuar escrevendo, apesar dessa pressão meio invisível, mas que sei que existe, e que na maioria dos dias torna tão pesado o trabalho de fazer literatura, como se eu estivesse perdendo meu tempo em insistir nisso mesmo não sendo considerada "genial". Obrigada por mais esse texto!
Adorei essa edição :) Acho que esses processos de incensar tudo são reflexo da ansiedade da sociedade e de um desaprendizado diário de como modular as emoções - tudo nas redes sociais é intenso, sensacional, viciante e exagerado e acho que isso se reflete nesse cânone literário baseado em opiniões meio excessivas. Será? Pensando aqui. Beijos ♥️