Acho que nunca estive tão cansada quanto agora que maternei. É um fato, os clichês não erram. Abastecer outra vida é uma coisa muito difícil. Porque um bebê é uma pessoa que ainda não aprendeu a viver, mas está começando a entender as regras e, como bom aprendiz de sofredor, já começa a atravessar as primeiras desordens existenciais. Por aqui, por exemplo, Isabel não dorme há duas semanas. É um salto de desenvolvimento, garante o grupo de mães do WhatsApp (é, agora participo dessa coisa chamada grupo de mães). Aos cinco meses, a mini humana desbloqueou muitas habilidades. Usando a novidade dos pés, inaugura seus movimentos inferiores como um bonequinho que acorda para o próprio corpo, mas o ruim disso é que esqueceu de se desligar. O salto, descobri, acontece no escuro. A mãe é que está lá para segurar, mesmo que esteja caindo também.
Enquanto corto um dobrado para dar conta de tudo e ainda bater meu ponto, pois estou sem babá e ser mãe não me desonera do capitalismo, fico caçando sarna para me coçar. Porque é isso que escrever parece, às vezes. Veja bem, o meu tempo é cronometrado: tenho algumas sonecas por dia para escolher em qual freela trabalhar; na pausa do expediente preciso decidir entre lavar a louça ou o cabelo. Com ela no braço, com frequência a decisão é entre beber água, comer ou fazer xixi. Para completar, Isabel tem alergia à proteína do leite de vaca, o que significa que eu não posso descontar meu cansaço em uma barra de chocolate do tamanho da minha cabeça. São tempos difíceis e atribulados (vai passar, eu sei). E qual decisão racional eu tomo quando tenho meus pequenos instantes? Descansar, respirar um pouco? Não.
A louca vai escrever livro.
Não dá para entender, eu sei.
Aqui eu gostaria de trazer uma nova visão sobre isso de escrever romances. Muito se fala sobre como é um processo complexo e, francamente, meio enlouquecedor. São muitas crises para atravessar durante a construção de um livro: a crise de autoestima, quando não sabemos se o que a gente faz presta para alguma coisa; a crise estética (será que isso está bonito?); tem também um problema de identidade, de confiança, e além disso o medo de nunca publicar. Sem falar que o romance é uma narrativa de fôlego, pode consumir anos e potencialmente arruinar a sua vida inteira.
Costumo brincar que, se o conto é um casinho, o romance é um relacionamento sério, estável, dolorosamente monogâmico. Se por um lado apresenta a mesma desvantagem dos casamentos nesses termos, também carrega algumas das vantagens. Sim, estou escrevendo um livro no momento mais ocupado e enlouquecedor da minha existência. Parte dos motivos justifiquei nesse texto aqui. Preciso desesperadamente escrever porque nunca senti tanta coisa absurda e nova, mas também porque essa é minha ferramenta de processar o mundo. É a minha boia salva-vidas. Quando parece que eu não tenho mais nada, que os sacrifícios esmagam minha vontade de existir, lembro que estou escrevendo um livro. É um processo solitário que na verdade é antídoto da solidão. Um romance inacabado, uma história que precisa ser contada, te dá um motivo para tolerar a realidade. É companhia.
Esse insight me ajudou a entender porque ando correndo para o arquivo do meu trabalho novo sempre que posso. Um arquivo que ainda não teve a glória de ser nomeado, que é tão recente que também cheira a leite como todas as minhas blusas. Esse projeto que vinha se arrastando em forma de outras ideias até se encontrar em uma roupagem que me agradou. Do qual prometi não desistir. Vou enfrentando essa empreitada, eu e as minhas olheiras, com cada vez mais entusiasmo.
Não posso falar sobre meu livro novo aqui na newsletter porque sou supersticiosa e acho que dá azar. Mas tenho algumas suspeitas do motivo que me faz querer tanto escrever essa história em particular. Gosto da ambientação e do que quero dizer e, principalmente, gosto dos personagens. Essa viagem é muito íntima para não gostar das pessoas de mentira que estão te habitando sem pedir licença. Eu tentei escrever esse mesmo livro várias outras vezes, mas falhei em todas elas porque me afastei do caráter pessoal que a escrita precisa ter. Mesmo que seja ficção, é preciso que seja caro – no sentido do carinho. Só conseguimos escrever aquelas histórias que se relacionam de alguma forma com o que sentimos. Eu não queria falar sobre maternidade, dado que esse tema perpassa meu último romance. E não é sobre isso meu projeto. Mas, sim.
No meu livro novo tem uma mãe.
Mandarei notícias.
Oba! Mesmo que sua rotina esteja extenuante, acredito que criar um livro enquanto cria um bebê deve ser uma experiência ímpar! Já na expectativa de ler, viu? Beijo
Agora que estou admitindo pra mim mesma meus desejos, medos e anseios, tenho sentido cada vez mais vontade de materializar alguns na escrita. Parece que alguns só cabem ali mesmo porque a realidade como está, sobre algumas coisas, tá de boa. Mas aí vem aquela vozinha na minha mente: e se tudo fosse diferente do que é agora? O que vc faria? O que ia acontecer?
Tudo isso num emprego que tá ruindo meu juízo kkkkk o ser humano é engraçado mesmo, sinto que preciso mais de mim agora e talvez por isso essa vontade de criar.