Ontem à noite, ocorreu a cerimônia de premiação do National Book Award, um dos prêmios literários mais importantes dos Estados Unidos, e pela primeira vez na história um brasileiro venceu em uma das categorias. O cearense Stênio Gardel e seu maravilhoso A palavra que resta, conduzido ao inglês por Bruna Dantas Lobato, foram os vencedores da categoria de tradução. Esse fato é muito impressionante, e fico besta em ver como a repercussão ainda está tímida. Se fosse um autor do Sudeste, aposto, já estaria na capa dos principais jornais, em destaque proporcional ao feito.
O prêmio do Stênio me fez pensar em muitas coisas e até sequestrou essa edição da newsletter – que quase não saiu. É que compartilho com o colega algumas semelhanças. A palavra que resta foi lançado em 2021, no mesmo mês do meu primeiro livro, Apague a luz se for chorar. Como eu, Stênio também era um estreante na maior editora do país, um fato que deixou a nós dois nervosos e ansiosos. A editora até nos colocou para participar juntos de um episódio do podcast Rádio Companhia, em uma conversa que saiu muito bacana. A palavra que resta e Apague a luz se for chorar também foram ambos finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura daquele ano na categoria estreantes, mas as coincidências param por aí, já que se tratam de dois livros muito diferentes (e a trajetória do romance dele, sem sombra de dúvidas, foi muito mais louca e incrível que a do meu).
Se estivesse em uma fase mais mesquinha da minha vida, eu poderia ter ficado com inveja ou lamentar o ritmo das minhas próprias empreitadas literárias. Afinal de contas, Stênio e eu começamos no mesmo patamar, em tese. Mas não foi nada disso o que senti, essa não é uma história sobre meu trabalho. Na verdade, fiquei eletrizada, quase como se tivesse sido comigo, quase como se a glória tivesse me tocado de perto, uma vitória por afinidade. Sabe quando algo incrível acontece com alguém que você conhece, ainda que à distância, e você fica tão besta que conta a história para todo mundo? É um pouco como isso. Senti orgulho – admiração eu já sentia. E senti também esperança, porque isso significa que nossa literatura pode ser mais reconhecida lá fora.
Os prêmios literários são sempre uma faca de dois gumes. Ao eleger livros do ano, muita coisa boa fica de fora. É tudo uma questão de perspectiva, de afinidade da obra com o júri, entre outras questões terrenas que vão muito além da ficção, como o Cristhiano Aguiar pontuou muito bem na última edição de sua newsletter. A lista do Jabuti desse ano, por exemplo, me espantou um pouco. Eu esperava ver vários livros contemplados ali. É um pouco surpreendente que Diorama, da Carol Bensimon, não esteja entre os semifinalistas na categoria romance literário. Arrisco dizer que Diorama foi o melhor livro nacional que li no ano passado, é tão bem construído que parece uma aula de como escrever. Na recém-criada categoria dos estreantes, eu estava torcendo por Dia Um, do Thiago Camelo, e por Mar de telhas, um romance ainda pouco comentado da Mariana Lozzi, que é uma autora brasiliense extraordinária. Na categoria entretenimento, fiquei esperando pelo Árvore extraordinária, da Carol Chiovatto. Enfim, muitas expectativas, o que não desmerecem em nada os indicados, que aliás devem ser incríveis.
Ganhar um prêmio ou ser indicado a ele não significa que um autor é bom e outro não. Perder não significa que seu trabalho é fraco ou inútil. Vejo os prêmios muito mais como holofotes da temporada, oportunidades incríveis que surgem sempre ali no fim do ano para dar visibilidade ao que muitas vezes não está sendo visto, sem bater o martelo definitivo da qualidade. Está absolutamente permitido discordar do resultado, inclusive.
Ao ganhar o National Book Award, no entanto, o Stênio Gardel, um autor nordestino e estreante, traz esse holofote para o Brasil, e o faz de um jeito lindo e emocionante. Da mesma forma, a Bruna Dantas Lobato brilha ao converter a língua portuguesa ao mercado anglofônico, o maior do mundo. Ninguém perdeu nem ficou de fora, nesse caso. Todos nós ganhamos, a cultura brasileira ganhou. Por que vocês não estão estourando o champanhe?
Antes de ir, um pedido
Nos últimos dias, virei meu próprio agiota e tenho me cobrado muito. Estou equilibrando tantos pratinhos que já começo a ver alguns deles bambolearem. Não tem sido nada fácil, mas eu insisto em arrumar sarna para me coçar – tanto que estou escrevendo meu novo romance enquanto lido com as cólicas horríveis da minha bebê de dois meses (descobrimos que Isabel é alérgica à proteína do leite, então também estou fazendo dieta, orem por mim). Isso tudo dormindo quatro horas (em dias bons) e trabalhando no meu freela fixo para pagar as contas, já que o mirrado salário-maternidade que o INSS me concedeu provavelmente será pago quando a menina estiver na faculdade. Não sei como estou dando conta, mas dizem que a maternidade confere uma força que não é creditada aos humanos comuns. Toda mãe é meio mutante.
De qualquer forma, não pretendo desistir da newsletter apesar de tudo isso – esse pratinho tem me feito muito bem. É bom escrever, refletir sobre escrita, e saber que a mensagem por vezes encontra quem pense o mesmo, ou precise dela. Mas convido vocês a assinarem o pacote premium, caso desejem apoiar o meu trabalho: custa só 9,99 por mês e tem direito a duas edições extras. Essa aqui seria restrita a apoiadores, mas deixei aberta para poder fazer esse lobby, e por que o Stênio e Bruna merecem ser aplaudidos. Assine aqui.
Mudaria o título só para “Um cearense…” orgulho demais!!!!
Lindo texto, Fabiane! Vamos celebrar a vitória do Stenio sim! Bonito demais de ver!