Na natureza, tudo que é criado tem a tendência de anunciar quando está pronto. As frutas e os bebês despencam quando estão maduros, as gatas gritam para anunciar o cio, os ovos racham e até a morte, em alguns casos, avisa da própria chegada. Invejo o fim dos processos, esse momento cobiçado de conclusão de ciclo, a carta Mundo do tarô, o pináculo da jornada, o tipo de fim que só existe porque existiu um começo. Ninguém quer estar no meio do caminho. Todo mundo quer colher ou começar a plantar. Com os romances, o tormento do processo se multiplica porque a escrita não aprecia alardes. Os livros não dão avisos. Quase nunca sabemos quando estão prontos ou, muito pior, se um dia vão ficar.
Já contei algumas vezes que Apague a luz se for chorar, meu romance de estreia, não foi o primeiro livro que escrevi. Desde que me envolvi com essas drogas pesadas, aliás, escrever um romance foi uma meta constante e poucas vezes alcançada com sucesso. Com um livro publicado e outro a caminho, já na porteira, achei que teria a confiança e a dignidade de saber qual seria meu próximo projeto. Besteira minha. O próximo projeto continua sendo um mistério. Acho que será assim por muito tempo.
Na dúvida, investigo minhas próprias raízes. Por que terminei esse livro aqui, e não esse outro? Com tanto material inacabado na gaveta, por que me dediquei ao Como se fosse um monstro, meu segundo filho, e não àquela história que escrevo desde 2012? Os motivos para escrever qualquer coisa, vale lembrar, são uma mistura de ideias do momento e obsessões particulares. Mas os motivos para insistir exigem, acima de qualquer coisa, força de espírito. Antes, eu achava que o livro certo se anunciaria nos primeiros capítulos, um raio criativo fulminante, uma alma gêmea em forma de ficção. Mas não existe isso. Livro certo é aquele que a gente termina.
Seria incrível se todo projeto pudesse dizer de cara a que veio, eliminando a condição de rascunho. Imagina só, que maravilhoso prever, sem chegar à escrita, a história que funciona e os becos sem saída? Ter a lucidez de imaginar o mundo do começo ao fim, e saber que o registro valeria a pena. Uma utopia, é claro. Escrever é difícil demais para comportar uns atalhos tão úteis.
Na dúvida, quando bate a descrença, consulto os universitários. Essa história aqui está boa? Está com ritmo? Dá vontade de continuar lendo? Anoto tudo na minha prancheta mental. Conforme o resultado da pesquisa, às vezes descarto tudo. Eu confio na opinião alheia, porque a minha é instável.
Desde o começo dos tempos, os leitores beta e editores salvam nós, pobres escritores, das incertezas criativas. O negócio é que mesmo os livros incertos, os mais ou menos, podem virar, dar um caldo, chegar no ponto. Tudo é uma questão de ter fé para seguir adiante. É mais fácil definir se algo é bom ou não, se tem futuro ou não, depois de pronto. Por isso, sou uma entusiasta da produção, ainda que doa e seja difícil produzir. Depois que o pensamento é escrito, é mais fácil julgar e até melhorar o resultado.
Estou vivendo esse impasse com uma história que me atormenta desde o ano passado. Não tenho certeza se é uma boa ideia, se já tenho bagagem suficiente para escrevê-la, ou se ela merece a dedicação das poucas horas que tenho para escrever. Mas decidi seguir em frente para poder avaliar (tenho dois capítulos prontos, veja que avanço, é a primeira coisa que escrevo em meses). Na pior das hipóteses, será mais uma ideia testada.
É sempre bom ter algo na gaveta, mesmo que seja para o descarte. Até o lixo é útil. Que atire a primeira pedra quem nunca reciclou algum trabalho ou precisou evoluir um Pokémon literário.
Na dúvida, amigos e amigas, escreva.
Decisões difíceis de tomar, como começar ou terminar um texto. Vejo que o único jeito é mesmo continuar a escrever, sempre e pra sempre.